Fábio Junqueira de Carvalho e Juliano Barra
As empresas que oferecem ou pretendem oferecer previdência complementar para seus colaboradores estão em um ambiente jurídico muito mais seguro. Nos últimos meses, deparamos com três decisões relevantes em matéria de previdência complementar. Tais decisões, além de configurarem um novo marco para o segmento, representam, ademais, o fio condutor que deve guiar as relações jurídicas advindas da seara previdenciária privada.
O primeiro evento jurisprudencial relevante foi o julgamento do Supremo Tribunal Federal (RE 586453) que decidiu pela competência jurisdicional da Justiça comum, em vez da Justiça do Trabalho, para julgamento de demandas que envolvam o contrato previdenciário. Tal decisão foi deveras comentada pelos meios envolvidos, destacando-se a previsão do parágrafo 2º do artigo 202 da Constituição Federal no sentido da não integração dos regulamentos previdenciários aos contratos de trabalho, previsão também contida no artigo 68 da Lei Complementar nº 109, de 2001. Modulando os efeitos do acórdão, foi decidido que as ações que possuem sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho permanecerão nesta seara. As ações em trâmite não sentenciadas e novas ações serão inexoravelmente de competência da Justiça comum.
Outrossim, exatamente por possuir a Justiça obreira quantidade considerável de ações ainda sobre sua jurisdição que duas decisões recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) chamam atenção. Nestas, destacou-se a prevalência dos dispositivos previstos na legislação previdenciária privada (artigo 202 da CF/88 e Lei Complementar nº 109/2001) sobre os dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo afastado a aplicação de dispositivos sumulares do próprio tribunal e correntemente utilizados – súmulas 51-I: “As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”; e 288: “A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.
O segmento passa a ter a segurança jurídica de que vale aquilo que está previsto na legislação previdenciária. Os importantes acórdãos oriundos da 4ª Turma do TST (RR – 27800-68.2008.5.15.0005 e RR-31900-39.2010.5.21.0002) consignaram que, diante da previsão do citado artigo 202 da Constituição Federal e com o advento da Lei Complementar nº 109/2001, “tornou-se clarividente a impossibilidade de aplicação aos planos de previdência complementar do mesmo raciocínio adotado para as normas que integram o contrato de trabalho, afastando-se, por isso, a incidência do artigo 468 da CLT ao presente caso”. O artigo 468 aduz que só é lícita a alteração das condições do contrato de trabalho desde que não resulte, direta ou indiretamente, em prejuízos ao empregado. Constou, ainda, o afastamento da Súmula nº 288, rompendo com a doutrina que se utiliza correntemente deste verbete na seara da previdência complementar, aduzindo que não cabe mais adotar ente entendimento “o qual, utilizando como norma basilar para a construção da jurisprudência o disposto no mencionado artigo 468 da CLT, declarou, diante da impossibilidade da alteração contratual lesiva, que a complementação dos proventos de aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.
Como consequência prática, essas decisões rompem com o paradigma da imutabilidade contratual dos planos de benefícios previdenciários, adaptando-a às premissas legais atualmente vigentes. Sob o enfoque das súmulas 51 e 288, as cláusulas e condições aplicáveis aos participantes deveriam ser aquelas vigentes no ato da admissão ao plano. Contudo tal entendimento, conforme consignado, estaria em desacordo com as regras constitucionais específicas do sistema previdenciário privado no sentido da não integração dos regulamentos dos planos de benefícios aos contratos de trabalho, o que obstaria, por exemplo, qualquer alteração visando o saldamento do plano, suspensão das contribuições, fusão com outro plano, cisão ou alterações para equalização de eventual déficit.
O simbolismo dessas três decisões reside de fato da reorientação de um paradigma há muito questionado, qual seja, que o contrato de trabalho e o contrato previdenciário são completamente independentes, multifacetado na aplicação de seus diferentes princípios e de inconfundíveis diferenças em suas relações jurídicas.
O mais importante é que as empresas, patrocinadores e instituidores de planos de benefícios previdenciários, as entidades de previdência, participantes e assistidos agora passam a ter a segurança jurídica de que vale aquilo que está escrito e previsto na legislação previdenciária, trazendo uma estabilidade para o sistema que o mesmo desconhecia, pois os contratos poderiam ser desconsiderados para aplicação de uma regra trabalhista completamente estranha à relação previdenciária. Isso é muito positivo e certamente contribuirá para o crescimento do setor.
Fábio Junqueira de Carvalho e Juliano Sarmento Barra são, respectivamente, mestre em direito pela UFMG e sócio do Junqueira de Carvalho & Murgel Advogados Associados; e especialista e mestre em direito pela PUC-SP, doutorando em direito pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e sócio do mesmo escritório.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações