A arrecadação tributária é a principal fonte de financiamento e composição do Estado Brasileiro, uma vez que os tributos são a principal fonte de receita dos entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal).
Por meio dos tributos, por exemplo, a União busca promover uma sociedade solidária e isonômica, concretizando, assim, os objetivos fundamentais da República Federativa (Constituição Federal, Art. 3°)[1].Sendo assim, cada tributo impacta na melhoria da vida comum dos cidadãos brasileiros, pois é a partir da arrecadação que o Estado consegue exercer sua atividade financeira e assim, manter o aparato estatal e cumprir sua função social, proporcionando condições mínimas de cidadania, como saneamento básico, saúde e educação públicos.
Dessa forma, como propósito do Estado Brasileiro temos a igualdade, no artigo 150, inciso II da CF/88[2]. Esse princípio tem por fim tratar de forma desigual para igualar. Por exemplo, onerar produtos não essenciais, tal como cigarro e desonerar os essenciais, tal como produtos de cesta básica. Em relação a situação patrimonial de pessoas, sejam física ou jurídica, o texto Constitucional veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, demonstrando que pessoas físicas ou pessoas jurídicas de capacidade econômica semelhante estão sujeitas a uma tributação previamente equivalente. Nesse cenário, o Governo brasileiro, por meio de uma política extrafiscal, interfere no mercado interno com fim de favorecê-lo, ao invés de somente atuar com fim arrecadatório.
Desse modo, a instituição ou renúncia de tributos estende-se para além da arrecadação, que dentro da extrafiscalidade consiste na utilização de tributos com finalidade regulatória, por meio do qual o Estado, com objetivo de obter resultados econômicos e sociais, estimula ou desestimula comportamentos, intervindo na tributação. Trata-se, de acordo com Luís Eduardo Schoueri[3], de “normas tributárias indutoras”, como consta na tese de doutorado de Celso de Barros, O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito brasileiro.
Para Marcus Abraham[4], no artigo, Extrafiscalidade, combustíveis e finanças públicas atividade financeira pública, a extrafiscalidade é dotada por sua função fiscal, mas também, possui caráter extrafiscal, controlando a inflação, fomentando a economia e a indústria nacional, reduzindo a marginalidade e os desequilíbrios regionais. Logo, cada tributo incide sobre outros âmbitos acima de sua arrecadação. José Souto Maior Borges[5], por sua vez, também na tese de doutorado de Celso de Barros, já mencionada,define que na extrafiscalidade as funções sociais prevalecem sobre as funções financeiras.
Historicamente, desde o século XVII tem-se intervenções do Estado por meio da extrafiscalidade, demonstrando que o tributo serve à intervenção. Em 2022, o Governo brasileiro, com fim de diminuição e controle da inflação, optou por reduzir a tributação sobre os combustíveis, o que consequentemente tende a levar a uma produção mais barata e assim, um consumo maior. Porém, apesar da intenção de impulsionar a economia, a extrafiscalidade implica em renúncia e desoneração fiscal, como já ressaltado, o que, por conseguinte, interfere na sustentabilidade e no equilíbrio das finanças públicas.
A jurista Misabel Abreu Machado Derzi[6], no artigo intitulado, Princípios constitucionais que regem a renúncia da receita tributária, explicita que expressões como incentivos fiscais ou subsídios denotam um caráter positivo, de vantagem ou proveito, ao passo que acarretam em expressões como renúncias de receita ou despesas tributárias, as quais demonstram uma preocupação com o controle financeiro e orçamentário dos gastos. Nessa perspectiva, há de se pontuar qual o papel das desonerações e das renúncias fiscais.
A exoneração tributária é uma forte aliada para o desenvolvimento interno. Com o objetivo de estimular a indústria nacional, o Estado tende a aumentar as alíquotas que incidem sobre produtos importados, que por um lado influencia a compra de produtos nacionais, por estarem mais baratos, e que por outro lado também aumenta sua receita, haja vista o aumento do volume de compra e a tributação sobre esse produto.
O Estado onera o produto que não é produzido em território nacional impulsionando, desse modo, a economia do próprio país. Entretanto, nas crises econômicas, a produção interna, onerada pela tributação, torna-se menos acessível. Por isso, torna-se imprescindível que ocorra uma desoneração tributária para que o produto interno tem um preço menor, o que implica, diferentemente da exoneração, em perda de receita.
Nesse sentido, tem-se que a desoneração em 17% de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte público originará um custo de R$ 35,2 bilhões à União de acordo com relatório apresentado pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE)[7]. Diante disso, houve uma desoneração para conter a inflação. Diferentemente da Lei nº 10.925, de 23 de julho de 2004, a qual zerou a alíquota de PIS e COFINS sobre os itens da cesta básica, em que a desoneração reduziu a receita por um lado, mas conseguiu manter o patamar arrecadatório para o mesmo período, haja vista que aumentou o poder de compra dos cidadãos. Nesse contexto, a desoneração impactou positivamente no poder de compra e de acessibilidade.
Uma outra maneira de exercer a extrafiscalidade é por meio de benefícios fiscais em regiões nas quais o Estado deseja incentivar a indústria. Temos, por exemplo, os incentivos fiscais para as empresas instaladas na região da SUDENE, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
Nesse caso, a empresa situada nestas regiões, conforme determinação legal, pode usufruir do benefício fiscal de reduzir o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) em até 75%, pelo prazo de 10 anos. Essa política extrafiscal tem como propósito estimular projetos de instalação, modernização, ampliação ou diversificação de empreendimentos, afastando o desemprego e o êxodo rural da região.
Nesse âmbito, a renúncia de arrecadação tem um papel de estimular a economia de determinado local, haja vista que incentiva a instalação de empreendimentos em localidades menos desfavorecidas. Aqui o Estado atua como agente transformador por meio do incentivo.
Assim as leis de incentivos fiscais, como a da Sudene, tornam-se técnicas de encorajamento, segundo Celso de Barros Correia Neto, carregando em si a concretização dos valores e objetivos que a ordem jurídica visa.
Ademais, é preciso saber quais grupos a política extrafiscal afetará diretamente, pois muitas vezes ela tem como alvo determinado grupo de contribuintes, mas acaba afetando grupo diverso. Esse é o caso de momentos em que há uma política bastante intervencionista, que concede isenções e reduções de tributos, mas que não se preocupam com o custo social e a concentração de renda que os benefícios fiscais podem produzir.
Destarte, a extrafiscalidade é um instrumento de intervenção social, o qual possibilita uma nova forma de uso do tributo, que não seja o de arrecadação, implicando em redução de receita a partir de renúncias e desonerações fiscais, ao passo que também estimula outras áreas econômicas.
Portanto, políticas extrafiscais apresentam, necessariamente, de acordo com o contexto e objetivo em que aplicadas, resultados positivos em fomento à economia, mas resultados negativos em relação a perda de arrecadação tributária. É preciso atentar-se para o alcance dessa extrafiscalidade e o seu direcionamento, assim como se ela de fato será de proveito para os cidadãos brasileiros.
Referências bibliográficas:
ABRAHAM, Marcus. Extrafiscalidade, combustíveis e finanças públicas. 10/02/2022. JOTA. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/extrafiscalidade-combustiveis-e-financas-publicas-10022022>. Acesso em: 29 jul. 2022.
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito brasileiro. 2012. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. P. 74-103.
DERZI, Misabel de Abreu Machado. Princípios constitucionais que regem a renúncia da receita tributária. Revista Internacional de Direito Tributário, v. 1, p. 333-362, 2004.
TRUFFI, Renan. Desoneração de impostos sobre combustíveis vai custar R$ 35,2 bilhões à União este ano, diz parecer. Valor — Brasília, 9 jun. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/06/09/desoneracao-de-impostos-federais-sobre-combustiveis-vai-custar-r-352-bilhoes-a-uniao-este-ano-diz-parecer.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2022.
ACCIOLY, Isabella; MELLO, Maria Luísa Sette Costa; OLIVEIRA, Gabriele Esmeraldo de Lucena. A função extrafiscal da tributação. JUS, 24 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64665/a-funcao-extrafiscal-da-tributacao. Acesso em: 3 ago. 2022.
GOVERNO Lula Eleva Impostos em R$: 11,7 bi. ESTADÃO, 9 out. 2005. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-lula-eleva-impostos-em-r-11-7-bi,20051009p9464. Acesso em: 3 ago. 2022.
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, 1988.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilad
o.htm>
Acesso em: 2 ago. 2022.
MACHADO, Graziela C. da Silva B. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. Revista Jurídica UNICURITIBA , [S. l.], v. 3, n. 44, p. 476-484, 1 dez. 2006.
Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-Juridica-UNICURITIBA_n.44.23.pdf. Acesso em: 3 ago. 2022.
[1] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
2 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[…]
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
[3] CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito brasileiro. 2012. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. P. 158
[4] ABRAHAM, Marcus. Extrafiscalidade, combustíveis e finanças públicas. 10/02/2022. JOTA. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/extrafiscalidade-combustiveis-e-financas-publicas-10022022>. Acesso em: 29 jul. 2022.
[5] CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito brasileiro. 2012. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. P. 64.
[6] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Princípios constitucionais que regem a renúncia da receita tributária. Revista Internacional de Direito Tributário, v. 1, p. 333-362, 2004.
[7] TRUFFI , Renan. Desoneração de impostos sobre combustíveis vai custar R$ 35,2 bilhões à União este ano, diz parecer.Valor — Brasília, 9 jun. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/06/09/desoneracao-de-impostos-federais-sobre-combustiveis-vai-custar-r-352-bilhoes-a-uniao-este-ano-diz-parecer.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2022.